Ressignificar objetos e dar a eles um novo lugar no seu próprio ciclo. É nas proximidades da Bacia do Pina, região tradicionalmente de pesca da capital pernambucana, que um projeto lança o olhar sobre a produção de roupas e acessórios com preocupação com a sustentabilidade. Batizado de PINOSA Moda Sustentável, a iniciativa agrega seis talentos da comunidade com potencial artístico no segmento da moda e coloca no RioMar as peças das coleções para projetar o conceito e apoiar a comercialização das peças. Localizadas no segundo piso do shopping, nas proximidades da C&A, as vitrines digitais exibem a produção e, através de QR Codes, levam o consumidor a conhecer a história da marca e acessar outras peças da coleção.
A iniciativa foi desenvolvida pelo Grupo JCPM através do seu braço social, o Instituto JCPM, e feita em parceria com o RioMar e com a empresa Roda. Todos os empreendedores participantes compartilham da preocupação em produzir de forma sustentável. Fazem parte do Pinosa: Thiago Amaral, com a marca de thi (@coisasdethi); Luciana Silva, Moda Mangue (@modamanguebiojoias); Cleyse Amaral, com a Lady Cya (@lady.cya); Tiago Salvador, com Timóteo (@timoteoinsta); Patrícia Souza, com a Maré (@mare_clothing); e Risoneide Morais, com Mytella (@mytelladesign).
“Apesar de serem apenas seis coleções, juntas elas têm um potencial enorme de promover reflexões e incentivar a valorização da identidade local, de sua criatividade e riqueza, não apenas de detalhes, mas de conteúdo, de mensagem e propósito. Somar essa voz ao alcance do Shopping, no que se refere ao enorme fluxo e pluralidade de pessoas que interagem com o equipamento, alcança um público que pode se interessar em consumir produtos locais e sustentáveis e visualizar esse novo tipo de produção. As vitrines potencializam reflexões e incentivam comportamentos mais responsáveis. Afinal, que mais é a moda do que um ato de inspiração?”, destaca a gerente de sustentabilidade do Grupo JCPM, Thayara Paschoal.
Risoneide já desenvolvia o aproveitamento da casca de sururu, um marisco em abundância na região. A partir dele e através de um projeto educativo na escola estadual da qual faz parte (ela é também professora), passou a fazer bijuterias com o material coletado e, ao mesmo tempo, tirava do meio ambiente as sobras das cascas após a pesca das marisqueiras. “Hoje, trabalho de duas formas, tanto com a base de prata quanto fazendo o preenchimento. Melhorei minha técnica. A aceitação tem sido muito boa”. O que era bijuteria virou biojoia.
Todos os empreendedores estão acessando formações para desenvolvimento e amadurecimento criativo. As novas coleções foram produzidas levando em consideração as ferramentas de Design Thinking, inovação orgânica e técnicas colaborativas. O projeto reforçou a elaboração das coleções tomando como base os princípios da economia circular. A partir dela, busca-se repensar a forma de criar, produzir e comercializar produtos para garantir o uso e a recuperação inteligente dos recursos e matérias-prima, reduzindo potenciais impactos socioambientais negativos associados a esta cadeia.
Mariana Amazonas, da Roda, pontua que para transformar em realidade um processo criativo coeso é preciso dedicar tempo e ter o apoio de profissionais de diferentes especialidades. “Para um criativo que está se lançando no mercado é dificílimo ter o tempo e o investimento necessários para tecer esse fio do início ao fim. O nosso processo de desenvolvimento inspirou, provocou e propiciou essa caminhada criativa, permitindo que chegássemos ao final com um amadurecimento e o lançamento de coleções robustas e únicas”. Sobre o mercado de produtos sustentáveis, Mariana é firme. “Só existe futuro se for sustentável. O consumidor está cada vez mais consciente disso e este é um caminho natural para todo e qualquer mercado”.
Sustentabilidade é o alicerce que constrói a Pinosa, reunindo o trabalho único de moda de artesãos locais. Thiago Amaral, da De Thi, produz suas peças a partir de retalhos pequenos. Além do aproveitamento de materiais que seriam descartados, os retalhos acabam por formar uma coleção de produtos exclusivos com peças únicas. “Uso aquele pedacinho que ninguém mais quer para criar. Mesmo que eu repita a peça, nenhuma fica igual, são únicas. O projeto ainda me ajudou a desenvolver outros produtos que eu não conseguia colocar em prática. Se antes eu produzia mais mochilas e bolsas pequenas, agora tenho tênis e peças de vestuário na minha coleção”, conta.
PERFIL DOS EMPREENDEDORES
THIAGO AMARAL – De Thi
Com alguns retalhos, vários tipos de tecidos e uma criatividade diferenciada, Thiago Amaral se lançou no universo criativo da moda desde cedo. Em 2020, durante a pandemia, encontrou a oportunidade de criar sua marca, a De Thi. Sua conexão com a moda se ergue como uma herança de família. Foi com a máquina antiga da avó que ele deu seus primeiros passos na costura. Esse contato com a criação despertou em Thiago o desejo de desenvolver roupas para si mesmo. Ao iniciar uma formação em audiovisual e fazendo imersão em figurinos, houve um ganho de repertório para novas experimentações criativas. Hoje, a De Thi produz peças que se estendem desde camisas, mochilas, bolsas até calçados se utilizando da técnica Upcycling, ou seja, promovendo a reutilização criativa de retalhos, que são reintegrados à cadeia de consumo a partir da criação de novas peças conceituais.
COLEÇÃO: “TUDO QUE VOCÊ PRECISA É DE AMOR”
FRASE RESUMO COLEÇÃO: Com o tema, “Tudo que você preciso é de amor” e uma paleta de cores quentes, Tiago traz o afeto incondicional como condução central da sua criação. Dialoga, através das peças, sobre o amor universal por todas as coisas vivas.
Para definir o conceito central da sua coleção, Thiago foi buscar inspiração na música “All You Need Is Love”, da icônica banda britânica The Beatles. A coleção, com peças como mochilas, bolsas, bonés, sapatos, e alguns itens de vestuário, busca apontar para um amor universal, aquele que sentimos por todas as coisas vivas. Puro e consciente, o sentimento que inspira a coleção assemelha-se ao que chamamos de amor incondicional (na mitologia, o amor Ágape). A paleta de cor vem com tons quentes, remontando a um amor forte. A ideia é revelar estampas, cortes e cores que levem a mensagem certa nesses tempos em que se tornou indispensável falar sobre afeto, respeito, atenção, carinho e cuidado com as pessoas e a natureza.
LUCIANA SILVA – MODA MANGUE
Engajada com as pautas sociais, em especial as que envolvem o bairro de Brasília Teimosa, e preocupada com o princípio de beneficiar o próximo, Luciana Silva criou, em 2018, a Moda Mangue Biojoias. A empresa trabalha com a criação de joias, tendo como matéria-prima escamas de peixe. Aliás, toda filosofia do projeto carrega consigo os símbolos e significados dos recursos naturais. As peças, que incluem brincos, colares, anéis, braceletes e outras biojoias, são confeccionadas a mão e representam o mangue, o mar, a praia, a pesca artesanal e toda a riqueza natural do Recife. Por essa inspiração, a marca segue com seriedade os princípios da sustentabilidade, reutilizando matérias primas e chamando atenção para a importância da proteção dos mangues e oceanos. Além disso, a Moda Mangue tem como objetivo gerar renda às mães solo de Brasília Teimosa, que colaboraram na montagem das peças da marca.
COLEÇÃO: VERMELHO SANGUE, VERMELHO MANGUE
FRASE RESUMO: Inspirada na força de dois orixás, Ogum e Nanã, a coleção de biojoias chega com contornos místicos e ativismo ambiental. Lama, raízes, plantas, pessoas e entidades protetoras do mangue são inspiração a concepção das peças para fazer surgir a coleção “Vermelho Sangue, Vermelho Mangue”.
Inspirada no mangue e nas religiões de matriz africana, considerando a força de Ogum, orixá guerreiro e protetor do desenvolvimento humano, e a essência feminina de Nanã, entidade protetora da lama e da essência da vida, esta coleção chega com contornos místicos e ativismo ambiental. Lama, raízes, plantas, pessoas e entidades protetoras do mangue são o norte da coleção “Vermelho Sangue, Vermelho Mangue”, que apresenta design elegante, arrebatador e único. São acessórios diversos que permeiam e apresentam esta teia interconectada entre natureza, homem/mulher e espiritualidade e que dizem respeito à proteção dos manguezais, do oceano e da natureza. O pantone vermelho do parto, da vida que surge do útero fértil e feminino, representa o berçário do mangue. O marrom também marca forte presença nas peças representando todo espectro visual que se estende desde a lama, animais, até o tronco das árvores.
TIAGO SALVADOR – TIMÓTEO
Tiago Salvador nasceu no Recife, mas cresceu em Vitória de Santo Antão e em Gravatá. Foi nesse período que se descobriu artesão aproveitando os retalhos da produção de estofados feita pelo seu pai. O que eram costuras aleatórias, foi ganhando corpo a partir da identificação da sua vocação. Já no Recife, começou a trabalhar em uma loja colaborativa de produtos autorais locais, onde suas peças foram ganhando valor a cada dia. Tiago se aprofundou no estudo sobre moda para associar talento à técnica. A marca Timóteo nasceu com a premissa de criação de peças a partir de matérias-primas naturais cordadas dentro do padrão “zero waste”, termo utilizado para a técnica que promove o uso estratégico dos tecidos, com reutilização integral de retalhos na confecção. Em uma tradução literal, seria “desperdício zero”. Além desse compromisso com a sustentabilidade, a Timóteo aposta em uma modelagem ampla e agênero, capaz de atender os múltiplos biotipos e a diversidade de corpos. Hoje, mais de 50% da produção da marca é feita a partir do upcycling de cortes de tecidos.
COLEÇÃO: CORPO DE LAMA
FRASE RESUMO DA COLEÇÃO: Quebrando a barreira de modelos moldados dentro de um padrão pré-determinado, a coleção nasce sem marcação temporal ou mesmo de gênero. Corpo de Lama também valoriza o compromisso sustentável, com peças feitas a partir de reaproveitamento de tecidos.
Corpo de Lama é uma coleção inspirada na música homônima de Chico Science e Nação Zumbi. Na canção, Chico mostra a ideia de desmaterialização do ser humano, com críticas de que o nosso corpo é socialmente interpretado a partir de modelos padronizados, impostos e adotados de maneira inconsciente. As peças da coleção são desenvolvidas sem pensar em um modelo ideal e, por isso, a conexão com o “Corpo de Lama”, sem precisar de uma definição específica e tão forte. Além disso, ela vem atemporal, sem recortes ou imposições de momentos. Identidade e compromisso sustentável na confecção das peças, a coleção é feita com mais de 50% de tecidos de reaproveitamento. Nas estampas, é possível identificar intervenções de pinturas artesanais, com peças de forte identidade visual sensorialmente tangível. O corte das peças busca a pluralidade dos corpos e preza pelo bem-estar, com silhuetas retas e linhas confortáveis.
CLEYSE AMARAL – LADY CYA
Cleyse Amaral já sonhava em atuar na área de moda e empreender dentro desse universo desde os 15 anos. Com o passar dos anos, chegou a experimentar outras áreas até se render ao seu próprio talento. Mergulhou de cabeça no universo da moda, passou a costurar, modelar e criar designs que dão vida a blusas, calças, vestidos, shorts e muitas outras peças de roupas. Cleyse se identifica como modelo independente e afro-empreendedora e suas criações seguem as nuances da moda urbana, apostando na pegada mais underground. A marca, que se comunica muito bem com público jovem, pretende provocar reflexões de como a moda pode ser mais sustentável e consciente, sendo local e regional. “A Lady Cya traz a proposta de inspirar e permitir ser você mesma com autenticidade”, conclui Cleyse.
COLEÇÃO: Anos 2000, desde o começo até fim do mundo
FRASE RESUMO: Mesclando a ousadia da atualidade com o estilo bem demarcado do movimento dos anos 2000, as peças da coleção revisitam a moda do milênio, fazendo releituras provocativas e insinuantes.
As tendências dos anos 2000 marcaram para sempre a história da moda. O melhor estilo do espírito independente, feminista e rebelde desta época dá sinais de que ainda tem muito estilo para deixar de legado na geração do milênio (millenials). A Lady Cya tem um radar afinado e dança muito bem entre as tendências. A nova coleção revisita a moda do milênio, trazendo releituras provocativas, insinuantes. Mesclando a ousadia da atualidade com o estilo bem demarcado deste movimento.
RISONEIDE MORAIS – MYTELLA
Com o objetivo de ajudar alunos a fixarem melhor os conteúdos de geografia e química, professores da região do Pina e de Brasília Teimosa, áreas do Recife reconhecidas pela pesca e captura de mariscos, criaram um projeto para analisar o descarte de resíduos provenientes dessa atividade na Bacia do Pina. Entre os participantes, estava Risoneide Moraes que, a partir da premissa de entender e propor soluções para o impacto ambiental do descarte, criou biojoias que hoje são a matriz da marca Mytella. As peças carregam a união entre beleza e preservação do meio ambiente. Do seu processo criativo, surgem brincos, colares, pingentes, braceletes e tantas outras peças capazes de dar um toque especial e conectam todos que as usam à uma consciência ecológica que é tão urgente para o meio ambiente.
COLEÇÃO: PÉROLA NEGRA
FRASE RESUMO: A cor negra das cascas do sururu confere uma elegância provocativa as formas femininas e delicadas das pérolas. Com design inspirado pelas formas do oceano, com as “pérolas negras” incrustadas em bases de prata, a coleção captura os olhares e também a atenção para a proteção da vida nos Mangues.
As pérolas têm uma grande representação e simbolismos para vida no mar e na terra. Significam feminilidade, criatividade e pureza. Além disso, possuem propriedades de cura e purificação. Afinal de contas, são produzidas para barrar um processo de inflamação das ostras. A aparência das “pérolas” da casca do sururu é elegante e sedutora, provocativa aos olhares e capaz de aguçar a curiosidade pelos mistérios do oceano. A associação da matéria orgânica reciclada, ou seja, das cascas de sururu que são o resíduo do trabalho de marisqueiras da comunidade, ao metal nobre (prata) é motivo de reflexão sobre o valor das pessoas e da natureza em nosso contexto social, é um convite a necessidade de reflexão (e ação) sobre injustiças sociais e preservação ambiental. Peças de design delicado e feminino, inspiradas pelas formas em espiral das ondas fluidas das águas, forjadas em prata com as “pérolas” trazem a potência do feminino para a mudança que precisamos ver acontecer no mundo.
PATRÍCIA SOUZA – MARÉ
Criada em 2016 por Patrícia Souza, a Maré Clothing tem toda sua inspiração apontada para os elementos da natureza. Essa conexão se estende desde os conceitos de sustentabilidade abraçados pela marca e vai até as estampas que remontam flores, plantas, lugares paradisíacos e, como o próprio nome sugere, o mar e a maré. A Maré se apresenta como uma marca de estamparia artesanal que imprime plantas nos tecidos, assim como cada um de nós imprime sua marca no mundo. Com esse formato, a ideia é que cada peça se apresente de forma diferenciada, com detalhes únicos e singulares. Esse jeito de fazer moda se ergue não apenas como a produção de roupas, mas oferece um estilo especial para quem ama estar conectado com pautas sustentáveis e gosta de vestes que vão além da estética, mas são capazes de contar boas histórias.
COLEÇÃO: LINHAS BOTÂNICAS
FRASE RESUMO: Batizada de Linhas Botânicas, a coleção apresenta as diversas formas das folhas das plantas como marcação das peças feitas, uma a uma, criando caminhos únicos e percorridos para revelar, manualmente, a beleza estonteante e delicada do mundo natural.
Linhas Botânicas apresenta as diversas formas das folhas das plantas como caminhos orgânicos e vivos revelados, um a um, pelas mãos artesãs em um delicado processo de estamparia botânica manual. As linhas únicas de nossas digitais. O mar que tatua a terra com suas ondas e as linhas da maré, desenhando e conformando as curvas de nossas praias. Os veios presentes em cada folha de árvore são a verdadeira cartografia viva que pulsa em identidades singulares e presentes em cada ser. Uma coleção que exalta a beleza do que nasce naturalmente, integrando-se ao fluxo leve e potente dos caminhos da natureza.