O francês Clotaire Rapaille é conhecido mundialmente como um
expert em descobertas sobre arquétipos culturais, criatividade e inovação.
Aqui, ele fala com exclusividade para a revista Shopping Centers sobre o
comportamento do brasileiro em ambientes de compra
Por Ticiana Werneck
Falamos de Clotaire Rapaille, cuja técnica de pesquisa de mercado
engloba sociologia, psicanálise, cultura local e antropologia. Nos últimos 36
anos, ele dedicou todo o seu tempo no desenvolvimento de processos que permitam
entender a “lógica da emoção”, como chama, que seria o código para compreender
arquétipos culturais no subconsciente coletivo de um determinado local. E assim
criar, para marcas, uma comunicação que realmente fale com seu público,
comova-o, estimule-o.
Ele não para. Está sempre envolvido em projetos de marketing pelo
mundo para grandes corporações, inclusive no Brasil – 50 das 100 maiores
empresas listadas pela Fortune são ou foram clientes de Rapaille.
Ele tem uma visão curiosa em relação aos shopping centers. “Cada
vez mais estou convencido de que o shopping center não
está no negócio de ‘vender’. Está no negócio de ‘reconectar pessoas com a sua
vida’”. Para ele, os produtos comprados são apenas uma desculpa, um álibi. O
que as pessoas realmente querem é estar em movimento, se relacionar com outras
pessoas, ver novidades. “É a vida em movimento, em transformação”, explica. Em
sua visão não se trata de um centro de compra, mas um centro de terapia. “É o
lugar que você vai para descobrir sua nova identidade, sua nova imagem. Novas roupas, novos sapatos, maquiagens, comidas. É o lugar onde você
experimenta e vê novidades e encontra pessoas”.
A seguir, outras visões de Rapaille
sobre o mundo das compras e os códigos culturais que nos unem.
Shopping Centers: O que os gestores de shopping centers precisam entender sobre o
funcionamento de nosso cérebro e o cardápio de emoções em jogo quando estamos
dentro de um centro de compras?
Clotaire Rapaille: O principalpropósito
da compra é “se reconectar com a vida”. O item em questão a ser comprado é
apenas um álibi. O que significa “se reconectar com a vida”? Você está preso em
casa e quer sair, encontrar o mundo, voltar a ter contato com o movimento
reptiliano da vida. O cérebro reptiliano é primitivo, está ligado à
sobrevivência. Reptiliano significa tocar, cheirar, sentir, provar coisas, tudo
que não é possível fazer no computador.
Em termos de espaço e oferta, o centro de um shopping center
deveria ser sempre reptiliano, ou seja, permitir contatos, ter, por exemplo, água corrente,fonte, lago com peixes nadando e se movendo (nenhuma vida existe
sem água), e também árvores e plantas. E então comida. A praça de alimentação é
crucial, vários estilos de alimentos, e tipos de culinária devem estar
disponíveis. Outra ação positiva são vitrines de lojas pet exibirem filhotes,
todas as crianças quererem ver os animais.
Esses são comportamentos simples que nos reconectam aos
elementos da vida, sempre em movimento. A moda, o último lançamento de celular,
o mais recente CD de um cantor, o filme lançado no cinema... Isso é vida em
movimento. E o propósito do shopping center é mostrar este movimento, a
novidade, a vida em transformação.
Para o público feminino, espelhos espalhados pelo ambiente são
importantes, mas a privacidade também é igualmente importante. Ter lugares onde
as mulheres possam desempenhar novos papeis, se transformar, brincar com a
imagem experimentando roupas, maquiagens, perfumes. As mulheres querem se ver nos olhos dos
outros.
Shopping Centers: Em que medida seus estudos sobre comportamento do consumidor podem
ajudar shopping centers a se ajustar ao que é esperado deles? No que os
shoppings falham? No que acertam?
Clotaire Rapaille: Todo o trabalho que faço me convence de que o shopping center
não está no negócio de “vender” (produtos ou serviços). Está no negócio de “reconectar pessoas com a
sua vida”, com os aspectos da sua vida. Friso: os produtos são uma desculpa, um
álibi. Não é um centro de COMPRA, é um centro de TERAPIA. Um centro de rejuvenescimento e
renascimento. É o lugar que você vai para descobrir sua
nova identidade. Novas
roupas, novos sapatos, maquiagens, comidas. É o
lugar onde você experimenta novas coisas e vê pessoas.
Tudo deveria ser feito para ajudar pessoas a conhecer outras,
como grupos de discussão sobre moda, tecnologia, etc..
Nós trabalhamos para o site de compras Shopzila, em Los Angeles.
Eles não dão apenas a informação de onde você encontra a melhor compra, mas
também os produtos que os usuários mais procuram, comentários de quem já
comprou, espaços para chat onde você pode falar com qualquer um deles.
Shopping Centers: Do ponto de vista antropológico, quais os traços comuns aos brasileiros?
É possível mencionar características comuns significativas?
Clotaire Rapaille: O Brasil possui uma cultura única, resultado de sua história,
geografia, população. O modo como o brasileiro joga futebol é o oposto da
Alemanha. Podemos pegar estes dois exemplos para explicar o código brasileiro.
Enquanto a cultura alemã possui uma inclinação masculina, a brasileira é
feminina. Os princípios masculinos são exclusão, separação; já os femininos são
inclusão e integração.
As mulheres brasileiras são otimistas e realistas ao mesmo
tempo. Elas se esforçam muito todos os dias para ter um pequeno progresso, e
não param de lutar (é a “mulher guerreira”). Ao mesmo tempo, ela não perde a
graça, o charme, dá sempre um “jeitinho”, se adapta a novas situações, não perde a
feminilidade.
O alemão se planeja, valoriza a organização e processos; ele não
improvisa. No Brasil, a surpresa é percebida como algo bom. Na Alemanha,
surpresa está sempre ligada a algo negativo.
Shopping Centers: Você ajudou muitas marcas pelo mundo a se posicionarem melhor perante
seu público alvo. Quais as guias mestres deste trabalho? Existe um roteiro de
itens-chave que se deve percorrer até chegar a conclusões sobre a marca, e o
porque ela não está se comunicando com seu público? Fale um pouco sobre este
trabalhoso engenho de bastidor.
Clotaire Rapaille: Uma marca deve possuir um elemento de sua cultura original. A marca é uma assinatura. Coco Chanel é a mulher parisiense livre, sua marca expressa isso.
Jeep é a liberdade de ir sem precisar de uma estrada, “você cria sua própria estrada".
A chave aqui é que você não compra uma marca, você “entra para uma” marca, torna-se
um membro dessa tribo.
A dificuldade aparece quando uma nova geração de diretores de
marketing esquece o código da marca. Se o código de Cadillac for "sucesso americano",você irá querer comprar um Cadillac
pequeno?? Seria como ter um “pequeno sucesso americano".
O código do Jack Daniel´s é o americano alfa. Quando fizemos um
trabalho para a marca na Europa, perguntamos às pessoas que não gostavam de
americanos porque bebiam Jack Daniel´s, eles diziam: “essa bebida não é
americana. É do Tennessee".
O código e a "vila de origem"
ultrapassam a nacionalidade e se apodera de um elemento de seu estado, que
aparece no rótulo.
Na mente das pessoas, o MiniCooper é um carro inglês, ainda que
elas saibam que hoje esse é um carro fabricado na Alemanha com motor alemão.
Shopping Centers: Temos assistido,
assim como acontece em outros países emergentes, a uma enxurrada de novos
consumidores, trazida pela melhoria da economia que injetou 70 milhões de
brasileiros na classe média nos últimos anos. Como isso afeta o "ser
brasileiro"? Os valores mudam para a sociedade, o modo como ela se
comporta, age, pensa; ou falamos apenas de uma camada à parte, introduzida
agora à discussão pois tem dinheiro para consumir? E as empresas de
varejo/shoppings, como elas são afetadas pelo fenômeno?
Clotaire Rapaille: Antes de falar da classe média, vou falar sobre a nova geração.
Ela está no Facebook, Twitter,
internet, é hiperconectada 24/7, e bombardeada por informações contraditórias. É um mundo virtual frustrante porque, ao mesmo tempo, não tem conteúdo,
objetivo, significado. A conexão é apenas conexão, estar conectado.
"Occupy Wall Street" é exemplo. O que veio depois disso? Nada. "We
occupy" (nós ocupamos), eles diziam. Joia…e? "We occupy ". OK e
qual seu objetivo? Ocupar apenas.
A primavera árabe é outro bom exemplo de massas em conexão sem
nenhum conteúdo.
Os consumidores já perderam suas ilusões em relação ao mundo
virtual. Esse mundo irreal e sem significados criou uma necessidade pungente
por conteúdo de qualidade, conexão de verdade. Chamo isso de dimensão
reptiliana.
Vimos no mercado de luxo o poder do “feito à mão”. O valorizado
não é o feito na França ou Alemanha, mas o feito à mão. As máquinas criaram uma
necessidade profunda por artesanato e relações genuínas.
As novas classes médias estão se movendo nessa direção, em todo
o mundo. Os chineses estão se distanciando de cópias e falsificações, e
demandam o real, original.
Sim, os valores estão mudando, mas não na direção de mais
superficialidade e virtualidade, mas sim da dimensão reptiliana da cultura, do
primitivo, volta às origens, ao que realmente importa.
Porque a cultura brasileira é
feminina, integradora e tem uma forte dimensão reptiliana de sensações, há uma
grande contribuição a ser feita à tribo global de consumidores que buscam
conteúdo.
Acredito que marcas brasileiras
podem ser atrativas e ter sucesso na China, Índia, Oriente Médio e sul da Ásia.
As mulheres estão saindo de suas conchas e procurando direção e modelos. A mulher brasileira
desempenha um papel importante nesse novo cenário mundial, de referência de
força e feminilidade.
O caso do Nescafe no Japão
Clotaire Rapaille ficou famoso no mundo todo por vários
diagnósticos e planejamentos de marca, muitos citados em seus livros e
palestras pelo mundo. Talvez um dos mais emblemáticos seja o do Nescafe no
Japão.
É sabido que a tradição lá é o chá. Então quando a Nestle quis introduzir o Nescafe no país, Rapaille fez uma análise profunda do comportamento da população em relação ao café e percebeu que o código cultural da categoria de bebidas não o incluía. Era impossível competir com o milenar chá. Foi preciso criar uma nova categoria, o café. Para isso, Rapaille mirou nas crianças. Então, primeiro foi lançado uma sobremesa à base de café. Para disseminar o produto, toda a campanha tinha a ver com sentidos, trabalhando experiências positivas, emoções e sensações, embalagens coloridas, conteúdos e jogos. O primeiro passo foi dado: o sabor de café começou a ser disseminado entre a nova geração de (futuros) consumidores. Quando eles se tornaram adolescentes, o Nescafe foi lançado numa versão já misturada ao leite, para em seguida entrar como o produto é vendido no resto do mundo. A estratégia levou anos mas vingou. Hoje o Japão representa um grande mercado para o café.
*Matéria publicada na revista Shopping Centers